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Homenagem ao Renato


Dia 27 de março poderia ser mais uma data qualquer no calendário, mas não, simplesmente é a data.  Dia 27 de março de 1960 nascia Renato Russo, o maior ícone do rock nacional, maior compositor do rock nacional, Renato influenciou o nascimento de muitas bandas de rock nos anos 80, mas isso todo mundo sabe.  Renato queria escrever um livro, fazer filmes, mais infelizmente, não pode realizar seus sonhos. Hoje se estivesse vivo ele estaria completando 51 anos. 

Em homenagem a ele, trouxemos dois especiais: um especial apresentado pelo Dinho Ouro Preto, e uma entrevista do Renato a MTV

Documentario apresentado por Dinho:




 

Renato Russo entrevista MTV

 


















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"Essa Historia Daria Um Filme..."

O post de hoje traz um video do making off de um curta onde o Dinho Ouro Preto foi diretor. Para os que nao sabem em 2008, o Dinho foi convidado pela Multishow pra fazer um curta por especial dos dias do namorados, um quadro com o nome "Essa Historia Daria Um Filme" Nesse video tem todas as etapas da criaçao do curta "KM 23" desde o convite ao Dinho ate o fim das gravaçoes do curtametragem.

Entao com voces, o primeiro curta do Dinho!



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As falhas,os erros, tudo tem preço!

Queria vir hoje fazer um post bonitinho, ou talvez até engraçado, mas as circunstâncias me levaram a fazer um post de revolta. Sim, de revolta!

Assistam ao vídeo e me digam o que está faltando:



Aonde está o Flávio? Aonde? Aonde?
Capital Inicial é apenas vocal, guitarra e bateria?? Por que aparece só o Dinho, o Fê e o Yves?
Tudo bem que são menos de 37 segundos de vídeo, mas custava por a banda toda?
Pelo que eu sei, na gravação do video não estava apenas parte da banda, então porque na hora de editar o vídeo deixaram o baixista de fora?
Porque sempre dão uma menor importância pro baixo? Ou melhor, o vídeo começa com o solo de baixo da música "como se sente", certamente tocado pelo gasparzinho né?
E será que alguém da produção do renomado "Monange Dream Fashion Tour" não pensou como se sentira o  baixista que passou mais de 8 horas gravando pra não aparecer nem em 1 segundo de vídeo?

O baixo sempre se destacou nas bandas de  rock! Que o diga o lendário Sid Vicious (Sex Pistols), o incomparável DuFF McKagan  (ex Guns), ou o talentosissimo Paul MacCartney (ex Beatle) que durante a grande fase dos Beatles, nunca foi o talento mais reconhecido como baixista, e sim pelas composições que assinava ao lado de John Lennon! Vocês sabiam que Gene Simmons do kiss também é baixista? Quem nunca ouviu falar de Steve Harris, baixista do Iron Maiden?

É sempre mais fácil virar os holofotes pro vocalista gatinho, ou pro baterista descolado, ou pro guitarrista envenenado. Difícil é reconhecer a importância de cada instrumento dentro de uma banda!

Já me cansei dessas pessoas que enxergam o Capital Inicial como sendo apenas um vocalista bonito. Me envergonho de um dia ter pensado assim, me odeio a cada vez que disse " como o Dinho é lindo", música não tem rosto. Por que gostamos do Kiss sendo aqueles caras estranhos com roupas esquisitas e caras pintadas?

Só não esqueçam que quem delegou a grande missão de ser baixista ao nosso querido Flávio, foi o grande e imortal Renato Russo, e foi umas das melhores coisas que ele fez em sua curta estadia na Terra.






Observem as fotos :




Pra não dizerem que estamos nos enganando.






Só penso que as pessoas merecem ser valorizadas. Todos do signo da lua, estão muito tristes e revoltados com esse vídeo. 
Isso não se faz.
Sem mais.

Faz bem ao coração!

Bom gente, vocês sabem que os meninos costumam ajudar alguns projetos sociais né?
Hoje resolvi  falar de um que me sensibilizou bastante.

Em 2002 a AACC (Associação de Apoio à Criança com Câncer) lançou a Campanha "Ajudar Crianças com Câncer faz bem ao Coração", e o Capital Inicial participou com um vídeo Clipe e a música tema da Campanha.

Toda a renda desse CD foi revertida para a construção do Centro Quartenário Thiago Cavalcanti Rotta, ou simplesmente Instituto Pós-Câncer, uma grande conquista em favor de todas as crianças e adolescentes que sofrem e que já sofreram com essa terrível doença.

Este trabalho marcou a carreira do Capital no sentido social, pela satisfação de estar contribuindo para um projeto beneficente sério e pelo registro do último trabalho fonográfico do ex-guitarrista Loro Jones no Capital Inicial.

O projeto foi realizado no final de 2001 e foi disponibilizado para venda em 2002.

Ações como essa são muito importantes para o desenvolvimento de projetos tão importantes como o Instituto Pós-Câncer, que vai ajudar a AACC a fazer muito mais crianças sorrirem.

Algumas fotos da campanha :

Os meninos do Capital com as crianças do projeto

A banda reunida em prol de sorrisos



Pra quem não viu, este foi o vídeo da campanha : 



E nesse outro vídeo, vocês podem ver algumas cenas dos bastidores da gravação do vídeo da campanha:




Bom galera, eu queria postar a letra da música que eles cantam no vídeo da campanha, mas não encontrei. Espero que tenham gostado, e até a próxima!





"O que vai ficar na fotografia..."

Acho que voces ja sabem que o nosso baixista tem como hobby fotografar. Entao resolvi postar umas fotos tirada pelo proprio Flavio Lemos. Mas como sao muitas fotos, resolvi fazer uma sessao e divulgar o lado fotografo dele.. Toda semana postaremos algumas fotos!

                                       Yosemite Valley

                                                                                         Roma

                                                    Florença, 2004

                                                    França, 2006

                                                          Florianópolis, 2004

                                                               Itália, 2005



                                                   Paranapiacaba, SP. 1996

                                         Paúba, SP. 1990


                                                     Ceará, 2000

                                                                   Sequoias


                                                    Ibiraquera, SC


                                                           Ceará

Como podemos ver, alem de um excelente baixista, ainda manda muito bem como fotografo. Depois trago mais fotos!
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Biografia - Flávio Lemos

Oi capitalianos! Boa parte dos fãs e admiradores do Flávio ja leram várias entrevistas em que ele falava de sua vida,porem acho que assim como eu vocês gostariam de ouvir o próprio falando sobre sua trajetória! segue o vídeo em que ele nos retrata isso :



Só pra lembrar não se esqueçam de comentar nesse e em outros posts que nós preparamos pra vcs! E antes que esqueça A promoção "o que você daria ao Flavio com 1,99" ainda está no ar ,não fique fora dessa!!!
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O principio...

Confesso que ainda não acabei de ler tudo, mas resolvi dividir com vocês! Espero que gostem.





Como Nasce o Aborto

Edição de janeiro, 2000 - Primeira parte

de Carlos Marcelo






Brasília, madrugada fria, final dos anos 70. Dentro de um dos quatro quartos do apartamento 202 do bloco B da Super Quadra Sul 303, dois amigos pegam um violão, um pandeiro e ligam um gravador portátil. Eles começam a tocar, conversar e sonhar. Como em programa da rádio BBC de Londres, o mais novo pergunta ao mais velho: So, Renato, what will you wanna be when you grow up? (``E então, Renato, o que você quer ser quando você crescer? ´´) I wanna be famous! I wanna be a rock star!!!(`` Quero ser famoso! Quero ser uma estrela do rock! ´´ ). O dono da resposta e do quarto se chama Renato Manfredini Júnior. Nasceu no Rio de Janeiro em 1960 e mora em Brasília desde março de 1973, quando sua família trocou a Ilha do Governador pelo clima seco do cerrado. O ``entrevistador´´, Andre Fredrik Pretórius, nasceu na África do Sul um ano depois de Renato. Fisicamente, não podiam ser mais diferentes: o primeiro é loiro, porte atlético, tem quase dois metros de altura. O segundo, de cabelos pretos e encaracolados, mede 1,76m. Aparenta até ser mais baixo por causa da magreza e jeito desengonçado.

       Mas André e Renato são amigos não só porque falam inglês com fluência. Eles compartilham um segredo de quatro letras chamado punk, que tinha acabado de dinamitar o conservadorismo do rock mundial com a anarquia do Sex Pistols e uma trupe de bandas iradas e debochadas. Naquele quarto de janelas fechadas (para não incomodar os vizinhos) estava sendo escrita a primeira página do Aborto Elétrico. É o capítulo inicial da história de um movimento chamado Rock-Brasília, que nasceu na capital do Brasil e foi liderado pela Legião Urbana, único grupo nacional a ultrapassar a barreira dos dez milhões de discos vendidos.
      Na primeira parte dessa reportagem especial sobre a história do rock-Brasília, você não vai ler uma linha sequer a respeito de um cantor chamado Renato Russo. Até porque, até o início dos anos 80, ele não existia - o nome artístico, homenagem assumida aos filósofos Jean-Jacques Rousseau e Bertrand Russell, só pegou quando a Legião se mudou para o Rio para gravar o primeiro disco. Quem ajudou a reunir uma turma com interesses em comum e fez surgir a geração do rock-Brasília que estourou nacionalmente na década de 80 foi o Júnior, filho do Seu Renato e Dona Carminha, chamado pelos amigos de Renatinho ou Manfredo. Foi o Júnior que, tempos depois, batizaria toda uma leva de jovens urbanos como a Geração Coca-Cola mas, curiosamente, detestava refrigerante. Em casa, só tomava suco e mate gelado.
      Com uma das paredes tomadas por fotografias de ídolos do rock e uma vasta coleção de clássicos da literatura mundial, o quarto do apartamento 202 do Bloco B da SQS 303 era ponto de peregrinação dos jovens brasilienses que tentavam escapar da febre Dancin´Days das discotecas e da falta do que fazer numa cidade de apenas 18 anos de idade, com dois shoppings-centers e cerca de 700 mil habitantes. ``Ir para a casa do Renato era um festival para os sentidos. Ele botava músicas e começava a contar histórias, coisas que o Sid Vicious tinha feito e dito, como era a turma do Sex Pistols...´´, lembra Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial. ``Era cada figura estranha que entrava na minha casa! ´´, espanta-se até hoje D. Carminha.
      BEATLES NOS CORREDORES O acervo do quarto de Renato era renovado periodicamente com biografias de estrelas do cinema e jornais ingleses como Melody Maker e New Musical Express, comprados com o dinheiro da mesada (um salário mínimo) que Renato recebia do pai e também com o salário de professor da Cultura Inglesa, onde deu aulas por dois anos antes de ser demitido por levar os alunos a cantar Beatles pelos corredores da escola. O domínio do idioma começou no período (1967-1969) que a família Manfredini morou no subúrbio nova-iorquino de Queens e assistia a musicais na Broadway e no Radio City Music Hall. Mas o inglês de Renato foi consolidado mesmo ao chegar em Brasília. A tarde, ao som de Bach e Beethoven, ele lia a Enciclopédia Britânica no original e também devorava clássicos de escritores como Hemingway, Shakespeare e Byron - o poeta favorito do futuro poeta.
      No começo, o quarto de Renato era visitado apenas por Eric Russell e outros roqueiros fictícios. Os personagens foram criados pelo cantor quando tinha 15 anos para aliviar o sofrimento causado por uma doença chamada epifisiólise, deslocamento do osso que faz a parte mais próxima da articulação do fêmur se descolar da bacia. Ele foi operado, mas a cirurgia para implantação de três pinos de metal para sustentação do osso teve resultado desastroso: um pino ficou torto; outro, fora do lugar. O terceiro atingiu o nervo ciático, provocando dores terríveis. Renato ficou exatamente um ano e meio doente: seis meses na cama, sem movimento nas pernas; depois, mais seis meses na cadeira de rodas e outros seis, andando apenas de muletas. ``No final, o Júnior ficou puxando a perna um pouco de lado. As pessoas achavam que ele era meio desengonçado, mas na verdade tinha sido vítima de erro médico´´, conta D. Carminha Manfredini. Superado o trauma físico, era hora de Renato deixar os amigos imaginários dentro de casa e procurar em Brasília uma turma de verdade, uma turma de carne e osso - e alfinetes.
      ESTRANHOS NA CIDADE Criados para alojar as famílias de professores e funcionários da Universidade de Brasília, os quatro prédios erguidos na Asa Norte ficavam em área da UnB conhecida como Colina. ´´Lá era diferente das outras quadras de Brasília. Não baixava polícia, a gente podia se divertir...``, lembra o baterista da Plebe Rude, Carlos Augusto Woorthman, o Gutje, que morava no Bloco B. Além dele, também residiam por lá em 1978 os irmãos Felipe (Fê) e Flávio Lemos, respectivamente bateria e baixo do Capital Inicial. Fê Lemos tinha acabado de voltar da cidade inglesa de Leicester, a duas horas de Londres. ´´ Eu saí de Brasília ouvindo progressivo e heavy metal. Voltei punk, usando coleira de cachorro no pescoço e alfinetes no corpo. Era um estranho na minha velha cidade``, conta Fê, enumerando os shows que assistiu na Inglaterra: The Clash, Damned, Stranglers, Buzzcocks... ´´ Só não vi Sex Pistols porque eles não tocavam mais``.
Mas é exatamente a única banda punk que Fê não viu tocar que o faz conhecer Renato Manfredini. Em uma festa na Asa Sul, o baterista dá de cara com um disco dos Pistols e sai procurando o dono da preciosidade. Acaba encontrando: era Renato, que passa a freqüentar a Colina e trocar discos com Fê e os irmãos Loro e Geraldo Ribeiro. ´´ Ele tinha uma discoteca vastíssima de sons dos anos 70 que eu não conhecia, mas não tinha nada de Iggy Pop, Damned...``, lembra Fê.
      Em entrevista publicada pela Bizz em abril de 1989, Renato Russo lembra dessa época: ``Eu ia para a Colina, eram apenas umas três ou quatro pessoas que gostavam de rock: o Fê, o Loro (Jones, guitarrista do Capital Inicial) e o Geraldo, do Escola de Escândalo, que era irmão do Loro. E ficávamos o tempo todo conversando sobre a vida, todos com 16/17 anos, falando dos pais, da namorada, tentando conseguir alguma coisa para fazer. Depois de ficar tardes e tardes ouvindo e falando sobre música, o passo natural era montar uma banda...´´.
       ENSAIOS NA EMBAIXADA Por meios diferentes, Fê e Renato já conheciam Andre Pretórius: Fê, por intermédio do amigo André Muller (futuro baixista da Plebe Rude). Já Renato tinha esbarrado com o filho do embaixador da África do Sul na Taverna, bar da Asa Sul. Impressionado com o visual punk de Pretórius (``um Sid Vicious louro´´) e da namorada dele, Virginie Rio Branco, perguntou se ele gostava dos Sex Pistols: ``Yeah!´´, foi a resposta. Como a bateria Premier que Fê tinha comprado na Inglaterra ainda não tinha chegado, Pretórius e Renato começam a ensaiar juntos.
      Os dois passavam tardes inteiras tocando as mesmas músicas - podia ser Now I Wanna Sniff Some Glue, dos Ramones ou alguma do repertório do Damned,Buzzcocks ou Slaughter and the Dogs. De vez em quando, eram acompanhados na bateria por Alex De Seabra, irmão de Philippe Seabra (futuro guitarrista da Plebe), que conhecia Pretórius da Escola Americana de Brasília, onde estudavam os filhos de diplomatas brasileiros e estrangeiros. ``A gente fez uns ensaios em uma das salas da embaixada da África do Sul, tentava tocar alguma coisa do Edgar Winter Group (grupo de hard rock liderado pelo irmão do guitarrista Johnny Winter)´´, lembra Alex, que logo se mudou para os Estados Unidos.
      Embaixo do bloco A da Colina, Fê, André e Renato começam a pensar em um nome para a banda. Fê lembra de um grupo americano, Electric Flag, (Bandeira Elétrica´´ ) e diz que podia ser algo parecido. Bandeira Elétrica, Tijolo Elétrico... Pretórius, então, decreta: `` O nome vai ser Aborto Elétrico!´´. ``A gente olha um para cara do outro e fala: `yeah!´´´. Além da imagem forte, o nome Aborto Elétrico também foi escolhido pelas iniciais AE, que eram pichadas por toda a cidade utilizando o mesmo tipo de letra do movimento anarquista. Segundo Fê, a versão de Renato para a criação do nome - citação a um tipo de cassetete utilizado pela polícia brasiliense em 1968 que dava choques e acabou fazendo uma jovem grávida perder o bebe - não era verdadeira.
      Os primeiros ensaios acontecem em 1979 no apartamento 33 do bloco A, endereço do baterista. Desses ensaios, surgem quatro músicas próprias. Duas com letras em português, Benzina (``Não quero cocaína/Não quero benzedrina/Não quero heroína/Vou cheirar benzina...) e Admirável Mundo Novo (``Não adianta você tentar vir me aconselhar/Se eu seguir o seu conselho/eu vou me ferrar... ´´) e duas em inglês: Here Comes The Reds, sobre militantes comunistas, e (It´s All Because of My New) Sneakers, singela homenagem ao par de tênis que Pretórius tinha acabado de comprar.
        SANGUE NAS CORDAS Em janeiro de 1980, depois de quase um ano de ensaios, surge enfim um local para a primeira apresentação pública do Aborto Elétrico: o bar Só Cana, no Centro Comercial Gilberto Salomão, no Lago Sul, tradicional ponto de encontro dos playboys da cidade. ``Como a gente só tocava cinco músicas, elas foram repetidas duas vezes. Mas foi maravilhoso ´´, lembra Fê. Pretórius se empolgou tanto que quebrou a palheta e cortou os dedos nas cordas. Mesmo sangrando, não parou de tocar. Perplexo, o público que estava no bar demorou para entender que estava presenciando o batismo da primeira banda punk brasiliense. Mas a reação foi mais positiva do que negativa. ``O pessoal reagiu com: `E! De novo!!!´, porque brasileiro gosta muito de uma zona. Então, dá-lhe zona´´, ironizou Renato na Bizz em 1989, lembrando o primeiro show. O Aborto foi convidado a repetir a dose no Só Cana na semana seguinte. Como Fê estava doente, com catapora, a apresentação teve que ser adiada indefinidamente - e este acabou sendo o primeiro e último show de André Pretórius como guitarrista do Aborto Elétrico.
      Na Segunda formação da banda, Renato troca o baixo pela guitarra e Flávio, irmão de Fê, assume o baixo. Os ensaios passam a acontecer no novo endereço dos irmãos Lemos, que saíram da Colina e foram morar em uma casa no Lago Norte. Pelo menos dois clássicos do rock-Brasília nasceram nessa fase: Veraneio Vascaína e Fátima. Flávio lembra como foi criado um dos maiores sucessos do Capital. ``Fátima foi impressionante. Eu comecei a tocar e o Fê começou a acompanhar. O Renato falou: `Opa, continuem tocando isso aí que eu tô pensando num negócio aqui.´ A gente continuou tocando e ele pegou um papel, fez umas marcações do que seria a métrica da letra, aí pensou um pouco e começou a escrever, e a gente tocando. Depois de cinco minutos tocando, a gente começou a cansar; eu parei. E ele falava: `continua, continua...´ E continuou escrevendo, quase como se estivesse psicografando. Em dez minutos ele escreveu aquela letra longa, do começo ao fim... de onde veio eu não sei, mas só sei que ele estava bem inspirado´´.
      Começaram a aparecer outras músicas que seriam gravadas posteriormente pelo Capital e Legião Urbana: Conexão Amazônica, Geração Coca-Cola, Música Urbana, Metrópole, Ficção Científica, Tédio Com Um T Bem Grande Pra Você (acrescida do verso-desabafo no final: ``Moro em Brasília! Moro em Brasília!´´) e Que País é Este? (o grande hit dos shows, com direito a citação do Hino Nacional na última estrofe)... ``Quando o Flávio entrou, o repertório cresceu rapidamente, de quatro passou para doze músicas, depois para quase trinta´´, lembra Fê Lemos. Entre as que jamais foram gravadas, algumas tinham arranjos e letras mais elaboradas (Construção Civil e Helicópteros No Céu), outras bem simples e diretas (Pão Com Cola, O Que Eu Quero) e ainda algumas de títulos engraçados, a exemplo de Piauí Imaginário e AD (tocada em um acorde só e basicamente um instrumental que se repetia, só o refrão ia aumentando: ``ad, add, addd, adddd...´´). Curiosidade: a banda tentou incluir duas vocalistas, Ana Resende e Cris Brenner, então namorada de Fê. Elas ensaiaram Geração Coca-Cola escrita de próprio punho por Renato em uma folha de caderno espiral, mas ambas desistiram logo depois do primeiro ensaio, na casa de Fê, no Lago Norte. ``Ninguém avisou que não ia dar pra escutar nada, a voz era engolida pelos instrumentos. Foi uma decepção total´´, lembra Ana.
      ME EMPRESTA UMA TOMADA? Os shows também aconteciam com mais freqüência. Havia as apresentações-relâmpago ao ar livre, onde as bandas chegavam e pediam uma tomada emprestada para ligar os amplificadores na calçada de lanchonetes como o Food´s, na Asa Sul. Foi lá que Dado Villa-Lobos e Dinho Ouro Preto, filhos de diplomatas e chamados ironicamente de figurantes pelos mais velhos da turma, assistiram pela primeira vez a um show do Aborto Elétrico.
      As bandas punks também tocavam em colégios, como em um festival interno do Objetivo. ``Eu estava vendo umas bandinhas, de repente entrou o Aborto Elétrico para tocar. Aquilo destoava de tudo, era muita energia. O Fê batia forte naquela bateria Premier com bumbo de 24 polegadas, parecia um tanque de guerra. Era chocante´´, recorda Marcelo Bonfá, até então um fã de Carpenters e Pink Floyd. Filho de um professor de sociologia que tinha se tornado funcionário do Banco do Brasil, Marcelo Augusto Bonfá morou no interior de São Paulo até se mudar para o Planalto Central em maio de 1977. ``Brasília era muito doida nessa época, parecia um Babylon 5: tinha alienígena em todos os cantos´´, compara o futuro baterista da Legião Urbana.
      E os alienígenas começaram a eleger seus pontos de encontro. Foi o caso do Cafofo, bar improvisado em subsolo da quadra comercial da 407 Norte. O proprietário do local era um conhecido músico da cidade, o tecladista e arranjador Rênio Quintas. Ele cedeu as tardes de Domingo para os punks candangos fazerem barulho e tomarem muita cerveja. ``Começava as quatro da tarde e ia até as oito da noite. Não dava para ouvir nada, a guitarra era altíssima... para mim, era muito ruim. Mas tinha que dar espaço para essa galera´´. A farra na Asa Norte reunia mais de cem pessoas todo Domingo. ``A turma toda cabia lá dentro, no porão. Do lado de fora, a zoeira soava como o motor de um avião, com flanger (efeitos especiais)!´´ compara Bonfá. A zoeira durou até que um dos donos de bar ao lado do Cafofo chamou a polícia para recolher os punks. ``Chegaram três Veraneios Vascaínas (camburões) e saíram lotadas de moleques, que só foram liberados pelos pais na delegacia´´, lembra Rênio.
      Nessa época, o Aborto Elétrico dividia os toscos e improvisados palcos brasilienses com outro grupo punk: o Blitx 64. Formado pelo baterista Gutje Woorthman e pelos irmãos Loro (guitarra) e Geraldo Gerusa Ribeiro (baixo), que se conheceram na Colina, o Blitx não tinha vocalista (apesar de Gutje dar uns berros durante os shows). O repertório tinha doze canções, entre elas Lindo Lixo e Romeu e Julieta, adaptação de uma antiga marchinha carnavalesca. ``A gente começou quatro meses depois do Aborto, carregávamos os equipamentos juntos para os shows. Colocávamos tudo no carro, pedíamos uma tomada emprestada, ligávamos os amplificadores e mandávamos bala´´, conta Geraldo. ``A gente fazia de tudo. Assustava as menininhas dizendo que ia vomitar dentro das bolsas delas, esvaziava extintor, explodia lâmpadas fluorescentes para acordar os vigilantes da UnB... mas a gente não botava fogo em índio``, ironiza Gutje. ``Eram duas turmas bem distintas. A do Blitx tocava zona total, era mais divertida de sair a noite. Já a do Aborto tinha a informação, era mais intelectualizada e preocupada com a imagem``, compara André Mueller. ``Para mim, o Blitx foi a melhor banda de Brasília´´, elege outro futuro integrante da Plebe Rude, o vocalista Jander Bilaphra.
      ORIGINAIS E FIGURANTES A essa altura, porém, a turma não era mais restrita aos que tinham se conhecido na Colina. Havia outros núcleos espalhados pelo Plano Piloto. Na 213 Sul, por exemplo, Dinho Ouro Preto e Dado Villa-Lobos dividiam o mesmo apartamento e logo se sentiram atraídos pelos representantes brasilienses da revolução punk. O mesmo aconteceu na 104 Sul, onde moravam os irmãos Pedro e Bi Ribeiro (baixista dos Paralamas), e na 316 Norte, quadra de Marcelo Bonfá. De menos de dez pessoas, a turma pulou para mais de quarenta em menos de seis meses. Os mais novos eram chamados com ironia de figurantes ou satélites por não pertencerem a turma original que freqüentou a Colina entre 1978 e 1980.
      As noites de sexta tinham programa obrigatório para a turma: o cinema da Cultura Inglesa, para assistir a filmes de cineastas como Wim Wenders, Werner Herzog e Fassbinder. Depois, era hora de procurar uma festa e, para encerrar a noite, discussões sobre livros de Dostoiévski e J.D. Salinger as margens do Lago Sul, com os carros fazendo rodas com os faróis acesos nas chamadas quebradas. ``Foi a época mais intelectualizada da minha vida ´´, reconhece Dinho. “A gente ficava em ruínas como as do Centro Olímpico da UnB com o som do carro ligado, tocando o disco Talking Heads 77, tomando vinho barato e conversando´´, lembra Dado Villa-Lobos”.
      Enquanto isso, as coisas com o Aborto Elétrico não iam tão bem, apesar da crescente popularidade do grupo. Em show na cidade-satélite do Cruzeiro Velho, Fê ficou irritado com a displicência de Renato, que dizia estar distraído por conta do aniversário da morte de John Lennon, e arremessou uma baqueta no rosto do cantor da sua banda quando o vocalista errou uma letra. Renato não reagiu na hora. A noite, porém, sentenciou ao amigo: `` Fê, o Aborto Elétrico acabou´´. O baterista conseguiu dissuadir o vocalista e eles retomaram a banda, mas foram as primeiras rachaduras sérias em uma amizade tida como indestrutível. ``Fê implicava muito, mas o Renato também era difícil. Durante os ensaios, eles tinham discussões que duravam horas e horas. Os dois, que eram muito próximos, de repente não estavam mais se entendendo´´, narra Ico Ouro Preto, guitarrista da última formação do Aborto, atualmente trabalhando como fotógrafo de moda em Paris.
      Ico tinha sido chamado para o Aborto apesar de seu estilo ter muito pouco a ver com os três acordes do punk - ele era estudante de violão clássico, fã de Paco De Lucia. Gostava de passar tardes inteiras tocando com Renato. ``Muitas músicas a gente tocava no violão, só depois virava rock. Eram horas de improvisação gravadas em cassete. Depois, a gente tirava os pedaços que a gente queria e via que tinham nascido músicas´´, lembra o irmão de Dinho Ouro Preto, do Capital. ``O Renato não tocava muito bem, mas tinha o senso da música. Ele sabia o que queria´´.
      A última e decisiva briga interna do Aborto Elétrico aconteceu por conta da letra de Química. Os versos ``(...) Não saco nada de Física/Literatura, gramática/Só gosto de educação sexual/E eu odeio química...´´ foram considerados infantis por Fê. ``Eu achei Química uma bosta, não tinha nada a ver comigo. Aí eu falei para ele (Renato) que não tinha gostado do refrão, achava falso, não me identificava com aquilo como com Tédio, Que País É Este e outras músicas. Aí sim foi o início do fim, quando houve essa contestação da minha parte na obra do Renato, porque até então o que ele fazia e dizia era o que a gente tocava´´, revela o baterista. ``O Fê estava mais interessado em fazer camisetas, e eu ficava lá, pedindo para ensaiar. Aí eu disse: quer saber de uma coisa? Vou sair!´´, lembrou Renato a Bizz.
      Renato saiu e o Aborto continuou como trio: Flávio, Ico e Fê, que arriscava uns vocais por trás da bateria. Assim fizeram vários shows. O vocalista, porém, voltaria para uma despedida arrebatadora, diante de mais de cinco mil pessoas, no Centro Olímpico da Universidade de Brasília (UnB). Ele foi convocado as pressas pelo baterista para substituir Ico. O guitarrista tinha simplesmente sumido algumas horas antes da apresentação (``Acho que eu não fui muito correto, mas meu lance era o ensaio, tinha pânico de tocar ao vivo´´, defende-se Ico). Fê lembra com exatidão desse momento crucial da história do Aborto: ``Eu procuro o Renato e digo: `O Ico sumiu, vamos tocar, pega a guitarra, tá todo mundo esperando o Aborto Elétrico!´. Aí ele me olha, dá um sorrisinho irônico e fala: ``Vamos embora, Fê´...´´.
      O show foi um sucesso absoluto, mas Renato tinha outros planos na cabeça. Largou definitivamente o Aborto Elétrico e tomou rumo individual. Passou a ser conhecido como Trovador Solitário. Acompanhado apenas pelo violão, o Trovador desfiava em bares e palcos improvisados o repertório do Aborto e também mostrava canções que seriam consagradas nacionalmente com a Legião Urbana - a exemplo de Faroeste Caboclo, Eu Sei (até então conhecida pelo nome de 18 e 21) e Dado Viciado.
      Era bastante aplaudido pelo público brasiliense, mas Renato queria mais. Chamou o baterista Marcelo Bonfá, que já tocava na UnB e outros palcos improvisados com Os Metralhas de André Muller (futuro baixista da Plebe Rude). ``A gente fazia um punk bem visceral, mas as letras tinham cunho social, parecia coisa de sociólogo´´, compara Henrique Hermeto, vocalista e guitarrista na banda Os Metralhas (que também era conhecida como SLU - Serviço de Limpeza Urbana). Bonfá saiu então para montar uma banda com apenas dois integrantes fixos - os outros músicos, entre eles guitarristas e tecladistas, se revezariam em participações especiais. Seriam muitos os convidados, dezenas deles, uma verdadeira legião de jovens amigos. A Legião Urbana.

      Na segunda parte: O primeiro show da Legião Urbana termina em prisão. Acampamentos: (Pouco) Sexo, (Algumas) Drogas e (Muito) Rock`n`Roll. Como um garoto tímido e diabético, Dado Villa-Lobos, se tornou guitarrista da maior banda de rock do Brasil. O sucesso da primeira temporada de shows de Legião, Plebe e Capital produzido pelas próprias bandas.
      De todas as errantes trajetórias da turma do rock-Brasília, nenhuma foi tão conturbada quanto a de Andre Pretórius, um dos fundadores do Aborto Elétrico e primeiro parceiro musical de Renato Russo. Nascido no dia dois de agosto de 1961, Andre Fredrik Pretórius era filho do embaixador da África do Sul e estudou na Escola Americana de Brasília entre 1978 e 1980. Lá, fez amigos como André Muller. ``A gente tinha muita afinidade porque, assim como eu, ele gostava de uns sons mais experimentais do que os que rolavam no punk´´, lembra o baixista da Plebe Rude.
      Com quase dois metros de altura, olhos azuis e cabelos quase brancos de tão loiros, André era também o sex-symbol da turma. ``Ele era uma coisa! Tinha os traços perfeitos! Lembrava o Billy Idol, só que era muito mais bonito!´´, compara a produtora de moda Helena Resende, uma das meninas que mais conviveu com a turma de punks brasilienses.
      Forçado pelos pais, Pretórius volta para a África do Sul, ainda um país movido pelo apartheid, e participa de treinamentos de combate para enfrentar a guerrilha de Moçambique e Angola. Passa dois anos trabalhando no serviço de inteligência sul-africano, decodificando fitas de máquina de escrever utilizadas pelos inimigos e retorna a Brasília em 1982. ``Quando voltou ao Brasil, ele estava muito mudado. Era uma pessoa diferente, atormentada´´, analisa Virginie Rio Branco, namorada de Pretórius na época e futura mulher do sul-africano. Logo ele se muda novamente. Vai morar em Washington com os irmãos do Philippe Seabra, Alex e Ricky, onde continua tocando até mergulhar no consumo de heroína. Muda-se para a Alemanha, onde morre de overdose em outubro de 1987. Algumas de suas composições, entre elas parcerias inéditas com Renato Russo, estão registradas em fitas cassete batizadas de Radio Leucemia e guardadas com carinho pelos amigos. ``De todos os meninos que freqüentavam a nossa casa, ele era o mais especial. Um gigante de alto, nem cabia na cama: tinha que dormir em lençol estendido no chão. Mas era muito doce e triste. Se eu pudesse ter feito alguma coisa por ele..´´, relembra D.Carminha, mãe de Renato, o primeiro grande amigo de Pretórius na turma.
      Uma das características mais marcantes do início do rock-Brasília eram as festas promovidas pelos punks candangos. Na verdade, nem precisavam ser promovidas - na maioria das vezes, eles entravam de penetras em festas de playboys e pediam para colocar uma fita cassete no som. Quando o anfitrião percebia, era tarde demais: um bando de gente mal-vestida estava batendo cabeça, se jogando na parede e tomando todas ao som dos últimos singles lançados na Inglaterra e nos Estados Unidos. As festas eram tão importantes que foram citadas em pelo menos três músicas da época: A Dança (``então é outra festa, é outra Sexta-feira/que se dane o futuro/você tem a vida inteira...) e Eduardo e Mônica (``festa estranha, com gente esquisita/Eu não tô legal, não agüento mais birita... ´´), ambas da Legião, e Johnny Vai a Guerra, da Plebe Rude (``festas cheias de soldados/que insistem em batalhar... ´´). O baixista da Plebe, André Mueller, era um dos mais requisitados DJs das festas e andava sempre com fitas com os principais hits da turma. Eis a Relação de músicas que não poderiam faltar numa autentica festa punk brasiliense:
      Lado A Clash - London´s Burning; Generation X - Ready, Steady, Go; Buzzcocks - Boredome; Sex Pistols - Pretty Vacant; Dead Kennedys - Police Truck; Damned - New Rose; Au Pairs - Dear John; Specials - Night Club; PIL - Death Disco Lado B; Selector - On My Radio; Tom Robinson Band - 2,4,6,8 Motorway; Echo & The Bunnymen - Rescue; Damned - Stab Your Back; Clash - Protex Blues; Stranglers - Grip; Madness - One Step Beyond; Sham 69 - Borstal Breakdown; Joy Division - She´s Lost Control.
      Ramones: Joey, Johnny, Dee Dee e Tommy jamais imaginariam que, quando começaram a tocar Nova York em 1974, iriam influenciar não só o rock americano como também dezenas de bandas na Inglaterra e no Brasil. O rock-Brasília também deve muito aos Ramones: o Aborto Elétrico tocava Now I Wanna Sniff Some Glue logo nos primeiros ensaios. ``A gente só gostava das bandas inglesas, mas os Ramones eram a exceção americana´´, lembra o baterista Fê Lemos.
      Sex Pistols: Armação bolada pelo empresário Malcolm McLaren, o Sex Pistols começou a virar banda de verdade quando assinou com a Emi e lançou em 1976 o single Anarchy in the U.K. Steve Jones (guitarra), Paul Cook (bateria), Glen Matlock (baixo, depois substituído por Sid Vicious) e Johnny Rotten (vocal) colecionaram dezenas de histórias de arruaças e tumultos, todas recitadas de cabeça por Renato Russo aos outros integrantes da turma de punks brasilienses.
      Damned: Grupo britânico formado em 1976, que começou abrindo para os Pistols. O primeiro single da banda, New Rose, é considerado o primeiro single do punk britânico e chegou a ser tocado em alguns shows da Plebe Rude. Teve um disco, Music For Pleasure, produzido por Nick Mason (Pink Floyd), em improvável união do punk e do progressivo.
      Stranglers: Formada em 1976 na cidade inglesa de Guildford, a banda tinha um vocalista de garganta poderosa - Hugh Cornwell. O primeiro disco, Rattus Norvegicus, saiu em 1977, mas foi o segundo, No More Heroes, que foi adotado como discoteca básica pelos brasilienses.
      Talking Heads: Os estudantes de design David Byrne, Chris Franz e Tina Weimouth se conheceram na universidade em Rhode Island, mas foi em Nova York que resolveram começar a fazer rock, auxiliados pelo pianista Jerry Harrison. O primeiro disco do grupo, Talking Heads´77, era consumido sem moderação pela turma brasiliense, principalmente por Dado Villa-Lobos, Loro Jones e Fê Lemos - os dois últimos se inspirariam nos Talking Heads para buscar sonoridade mais clean e menos agressiva para o Capital Inicial.
      Buzzcocks: Assim como Stranglers e Damned, o Buzzcocks também começou na Inglaterra em 1976. Os vocais melódicos de Pete Shelley ajudaram a forjar o punk-pop em músicas como Orgasm Addict e Ever Fallen in Love (depois regravada nos anos 80 pelo Fine Young Cannibals). Por trás de ``Comecei a tocar bateria ouvindo Buzzcocks´´, afirma Marcelo Bonfá. ``Foi a primeira banda que me mostrou que era possível falar de amor utilizando a linguagem punk´´, acrescenta Philippe Seabra, da Plebe Rude.
      Comsat Angels: Formada na cidade inglesa de Sheffield, onde morou por dois anos o baixista da Plebe Rude, André Mueller. Tinha sonoridade mais experimental, com utilização de teclados bem marcantes, a exemplo dos registrados no disco de estréia, Waiting For A Miracle. Os arranjos inspiraram várias músicas do primeiro disco da Legião Urbana - o baterista, Marcelo Bonfá, era o maior fã de Comsat Angels que a banda poderia Ter decolado no Brasil.
 Café, soja, tomate, ervilha e milho, muito milho. A agricultura é a principal atividade econômica de Patos de Minas. A cidade mineira, que fica a 405 km de Brasília, investe tanto no plantio que tem uma área especialmente para exibir o resultado de sua produção anual: o Parque de Exposições de Patos de Minas, onde é realizada há 41 anos a Festa Nacional do Milho. E foi no meio da poeira da arena de shows do parque, bem distante do concreto brasiliense, que a Legião Urbana fez a primeira apresentação de sua carreira.
A banda brasiliense foi uma das nove atrações do festival Rock No Parque, realizado no dia cinco de setembro de 1982 em Patos de Minas. Na verdade, a Cadoro Promoções - empresa responsável pela produção do festival - tinha contratado o Aborto Elétrico e até impresso centenas de cartazes com o nome da banda formada por Renato Russo, Fê Lemos e Andre Pretórius. Mas, como o grupo tinha acabado, Renato convenceu o dono da produtora, Carlos Alberto Xaulim, a se apresentar com a banda que tinha acabado de formar com o baterista Marcelo Bonfá.
      Inicialmente, a idéia de Renato era mais ambiciosa do que apenas criar mais uma banda de rock`n`roll no Planalto Central. Ele queria que a Legião Urbana realmente representasse a turma que tinha ajudado a criar no final dos anos 70 com o Aborto Elétrico. ´´ Na cabeça do Renato, a idéia era fazer uma turma para poder mexer com as estruturas da cidade. Para isso, quanto mais gente melhor, contanto que se mantivesse o controle ideológico da coisa ``, explica Dado Villa-Lobos, o terceiro - e definitivo - guitarrista da Legião. ´´A idéia original era ficar apenas o Renato e o Bonfá. Eles chamariam diversos outros músicos e compositores da turma para fazer as canções. Seria uma espécie de célula mutante, as pessoas iam entrando e se revezando ``, complementa Dado Villa-Lobos. Os dois responsáveis pelo núcleo da célula mutante tinham completa afinidade musical, como revela o baterista Marcelo Bonfá. ´´ Quando o Renato pegava o baixo, se ele tocasse uma nota, eu já sabia tudo que ele queria dizer: o ritmo, o andamento, tudo. Não precisava falar nada: Era uma conversa totalmente musical. Baixo e bateria pulsando... e a guitarra a gente já ouvia na cabeça ``.
      OS HOMENS QUE SABIAM DEMAIS Para que o som da guitarra não ficasse limitado a imaginação da dupla, Bonfá convidou um colega de colégio que não seguia a cartilha do punk-rock. Eduardo Paraná, que atualmente desenvolve carreira na música instrumental utilizando o nome de Kadu Lambach, dominava tanto o instrumento que logo os três perceberam que seu potencial seria desperdiçado. ´´ Ele olhava para a cara do Renato e dizia: `vai querer que eu faça só uma nota?`. O Renato respondia: `Yes! Faz só isso, mais nada!´. Aí o Paraná viu que não ia dar e resolveu ir embora``, lembra o baterista.
      O tecladista que o grupo convidou, Paulo Paulista Guimarães, também não durou muito tempo. Mais afeito as camadas de teclados utilizadas no rock progressivo, Paulo chegou a tocar várias vezes seu teclado Casiotone no quarto de Renato Russo, primeiro local utilizado para ensaios. Mas o primeiro e único show foi mesmo o de Patos de Minas, que acabou na delegacia (veja box). Na verdade, tanto Paraná como Paulista saíram porque perceberam o óbvio: sabiam mais do que era necessário para aplicar nos arranjos simples da Legião. A solução seria procurar alguém que compensasse com entusiasmo juvenil a falta de técnica. Alguém como Dado Villa-Lobos.
      O ABORTO DE UM SOCIÓLOGO Quando nasceu em Bruxelas no dia 29 de maio de 1965, Eduardo Dutra Villa-Lobos foi programado a receber um futuro brilhante. Seguiria a profissão do pai e seria diplomata. Tudo estava indo bem nesse sentido até os 12 anos, quando o garoto tímido que se escondia atrás de um par de óculos fundo-de-garrafa (indispensável por conta dos 3,5 graus de hipermetropia em cada olho) começou a ouvir Beatles, Bill Haley, Little Richard e Chuck Berry. Depois, fuçou a discoteca da irmã mais velha e lá achou Transformer, de Lou Reed. Foi pedir ao pai para traduzir a letra do maior sucesso do disco, Walk on the Wild Side, e ele, mesmo constrangido, leu em português para o filho as histórias de travestis e prostitutas narradas pelo cantor nova-iorquino.
      Mas foi aos 14 anos, quando volta a Brasília depois de morar na Iugoslávia, Uruguai e França, que começou a ser abortada a carreira diplomática de Dado Villa-Lobos. Na capital, ele ouviu pela primeira vez o disco It´s Alive, dos Ramones. ``Aí tudo mudou``, define o futuro guitarrista da Legião Urbana. ``Porque logo depois eu passei pelo Foods (lanchonete na Asa Sul) e lá vi umas bandas tocando ao vivo. Era muito parecido com a experiência de ver de perto o que seriam os Ramones em Nova York em 1976``, compara. Dado sequer sonhara até então em participar do então embrionário rock-Brasília, surgido no final dos anos 70 na capital federal a partir de bandas como Aborto Elétrico e Blitx 64. Até porque o máximo de transgressão que aquele menino tímido e diabético cometia era devorar bombas de chocolate escondido dos pais. ``Eu estava cursando Sociologia na UnB (Universidade de Brasília) e minha vida já estava programada: era fazer o currículo básico do curso, depois voltar para a França e seguir a faculdade por lá``, conta. ´´Até que fiquei sabendo que a Legião Urbana estava sem guitarrista para fazer o primeiro grande show da carreira deles, em uma temporada na ABO (Associação Brasiliense de Odontologia). E eles estavam procurando um cara que, se tocasse tipo David Byrne (do Talking Heads, conhecido pelo estilo despojado e sem virtuosismos), estava legal ``.
O máximo que Dado tinha se aproximado do rock-Brasília até então era montar uma banda instrumental só de curtição com quatro amigos: Bonfá, Dinho Ouro Preto (que morava na mesma quadra de Dado, a 213 Sul), Loro Jones e Pedro Thompson Flores. Era Dado e o Reino Animal, nome sugerido por Herbert Vianna, dos Paralamas. ´´ Eu tinha guitarra, mas não tinha correia. O Herbert falou que me dava uma correia de guitarra se a minha banda se chamasse Dado e o Reino Animal. Topei e tive que explicar para os caras``, revela o guitarrista, lembrando que sua banda foi a primeira da turma a incluir um teclado. Mesmo sem letras, as músicas (quatro, mais precisamente) eram copiadas em cassete e tocadas nas festas, como era de praxe entre o pessoal da época.
      NÓS SOMOS A MÚSICA BRASILEIRA ``Como a gente trocava muita fita cassete, a turma conhecia todas as músicas de todas as bandas. Não dava muito para ouvir, mas todo mundo conhecia o repertório do outro. Nós não queríamos ouvir o que estava rolando, queríamos fazer o nosso próprio som. Então, o que a gente ouvia de música brasileira éramos nós mesmos...``, constata um dos habitantes do reino animal de Dado, o amigo Dinho Ouro Preto.
      Filho de diplomatas, o curitibano Fernando Ouro Preto morou em Genebra (Suíça) antes de se mudar para o cerrado. Fernandinho (do diminutivo vem o apelido Dinho, que se tornaria nome artístico do cantor) namorava Helena, irmã de Fê e Flávio Lemos, respectivamente baterista e baixista do Aborto Elétrico. Por isso, acompanhava de perto os ensaios do Aborto na casa dos Lemos, no Lago Norte. ´´Vi várias músicas surgindo naquela época: Conexão Amazônica, Veraneio Vascaína, Fátima...``.
Fã de Led Zeppelin e Deep Purple, Dinho usava cabelo comprido e desprezava punk-rock. De tanto freqüentar os ensaios do Aborto, porém, acabou convertido aos três acordes. Cortou o cabelo e, quando soube que Fê e Flávio estavam procurando um novo vocalista para a banda que tinham montado com o guitarrista Loro Jones, se ofereceu para cantar. Fez teste e ganhou na garganta o posto de vocalista do Capital Inicial. Insistiu para que os Lemos aproveitassem alguns dos clássicos do Aborto no repertório do novo grupo e ainda fez Renato Russo terminar a letra do que seria o maior sucesso do Capital: Música Urbana. ´´ Tinha uma cassete com essa música, mas ela estava inacabada, com uma só estrofe. Aí eu liguei para o Renato e pedi para ele fazer a Segunda estrofe. Ele falou: `Ah, é? Peraí, anota a Segunda parte...` E ele fez na hora, pelo telefone!``, espanta-se o vocalista, que entrou no Capital substituindo Heloísa, uma bela ruiva que não podia se dedicar a banda por conta da pressão dos pais.
      A VIRADA RUMO A PROFISSIONALIZAÇÃO Mas foi Heloísa a vocalista do Capital na Temporada de Shows da ABO, certamente o ponto de virada na trajetória das bandas brasilienses rumo a profissionalização. Realizada em um pequeno teatro da Associação Brasiliense de Odontologia, a temporada durou um mês e foi um sucesso de público. Marcou também a estréia oficial de Dado Villa-Lobos como guitarrista da Legião. ``Eles me chamaram um mês antes da apresentação na ABO - tivemos um mês para montar um repertório, que até então era só Ainda É Cedo e coisas da época do Aborto. A gente passou um mês na casa do Renato, no quarto dele, fazendo as músicas: Petróleo do Futuro, Teorema, A Dança, Baader (Meinhof-Blues), O Reggae... praticamente todas que entraram no primeiro disco. Nós fomos a zebra da temporada porque as outras bandas, Capital, XXX e Plebe, ensaiavam há muito mais tempo e tinham repertório definido´´, lembra Dado.
      Outra conseqüência da temporada de shows da ABO foi a consolidação do prestígio e popularidade da Plebe Rude. Mesmo integrantes de outras bandas reconhecem que a banda formada em 1981 por André Mueller (baixo), Gutje Woortman (bateria) e Philippe Seabra (guitarra e vocal) era quem dava as cartas do punk rock brasiliense. ``A Plebe liderou hierarquicamente as outras bandas, foi a que mais despontou nessa época´´ , constata Dado Villa-Lobos.
      Pedro Ribeiro, irmão de Bi (Paralamas) e um dos integrantes da turma que dividia apartamento na 213 Sul com Dado e Dinho, enumera algumas das razões do sucesso da Plebe. ``Além de fazer mais shows, tinha o maior marketing: fazia fanzine, fotos, bastante camisetas, pichações.. também foi a primeira banda a fazer cenário para um show (dezenas de sacos de areia, como numa trincheira, numa citação na letra de Johnny Vai a Guerra, um dos primeiros hits do grupo). Tinha letras mais diretas e objetivas, que todo mundo da turma cantava e citava ´´, conta Pedro, que tocava baixo no Diamante Cor-de-Rosa (grupo new wave que mudava constantemente de formação e acabou não decolando) e depois se tornaria empresário da Plebe.
As letras da Plebe Rude, quase todas escritas por Mueller, eram ácidas e críticas, muitas vezes em relação ao próprio rock-Brasília. Tinham uma música chamada Bandas BsB, na qual diziam ``estar cansado de bandas que cantam Que País É Este´´ . Já A Moda era um manifesto irônico contra os modismos: ``Sempre tento seguir a moda, mas a moda corre mais do que eu/A moda é não seguir a moda/Ou será que você não entendeu...``.
      O CANTOR CARECA Para aumentar a força das letras, faltava um vocalista. Jander Ameba Bilaphra, que ia direto aos ensaios da Plebe mas queria tocar bateria ou baixo, acabou cantando e tocando guitarra. Sempre careca, sempre contestador, Ameba era da turma da Asa Norte e andava sempre com um grupo que incluía os irmãos Geraldo e Loro Ribeiro (ambos ex-Blitx 64) e Renato Negrete Rocha (futuro baixista da Legião Urbana). Filho de uma professora de música, Jander nunca tinha pensado em cantar. ``Até hoje, não me considero cantor, mas funcionava na Plebe. Espero que funcione de novo´´, brinca o vocalista, referindo-se a volta da formação original do grupo para shows e gravação de um novo disco produzido por Herbert Vianna.
      A Plebe também experimentou incluir duas cantoras para fazer backing-vocals. Marta Brenner e Ana Galbinski foram rebatizadas por André Mueller e se tornaram Marta Detefon e Ana XYZ. ``A idéia era boa, mas acabou ficando muito parecido com a Blitz, que já fazia muito sucesso´´, resume Mueller. ``Ficamos por um ano e fomos expulsas quando a coisa ficou mais séria``, revela Marta Brenner. ``A gente até ficou chateada, mas depois vimos um show deles no Teatro do Sesc (Asa Sul) e percebemos que ficou bem melhor``, reconhece Marta.
      O sucesso estrondoso da Blitz, com Você Não Soube Me Amar e outras pérolas catadas nas praias da Zona Sul carioca, abriu os olhos dos brasilienses. Não que eles quisessem repetir a fórmula ``Ok, você venceu, batata frita´´ de Evandro Mesquita, e sim porque começava a ser possível acreditar que as gravadoras e rádios tinham interesse no rock nacional. Mesmo a Legião, no comecinho da carreira, tentou pegar carona no sucesso da Blitz.
      LEGIÃO E BLITZ NO MESMO PALCO Renato Russo, que trabalhou como repórter de um programa de rádio do Ministério da Agricultura chamado Jornal da Feira, descobriu que seu antigo chefe, o radialista carioca Cristiano Menezes, iria produzir a primeira apresentação da Blitz em Brasília, que também seria o primeiro show da Legião no Plano Piloto. Não hesitou em mandar uma carta para Cristiano pedindo para que a Legião fosse escalada para a abertura do show: ``Nossa turma é gigante. Você podia ter falado com a gente pra ajudar a colar cartazes, espalhar a notícia, etc (...). PLEASE não nos deixe nesse desespero de ficar sonhando com uma coisa impossível``, escreveu o vocalista, antes de se despedir em tom profético, em letras garrafais: ``NÃO VAMOS DESISTIR NUNCA! VIVA A MÚSICA ELÉTRICA!´´.
      O show acabou acontecendo, mas não do jeito que Renato queria. A Blitz não deixou a Legião fazer a abertura, e sim tocar depois, quando o público já estava indo embora, como lembra o produtor Cristiano Menezes: ´´A Blitz fez o sucesso que se esperava. Quando acabou, a Legião se arrumou rapidamente no palco. O Renato berrou um boa noite e mandou um discurso rápido. Somos a Legião Urbana e estamos aqui pra mostrar que Brasília também faz Rock'n Roll !!!!! Falou um pouco mais, mas não demorou. Falou rápido, mas, meio com raiva, algo puto. E aí atacaram. Não me lembro o que, mas não esqueço a imagem do público voltando. Foi emocionante ´´, descreve.
      Foi por causa de atitudes inflamadas como essa que Renato foi adquirindo status de ídolo na capital. E, com o sucesso dos Paralamas, que tinham gravado no primeiro disco uma letra de Renato Russo (Química), as gravadoras perceberam que havia uma geração de bandas sendo formada na capital federal. Pedro Ribeiro, que tinha acompanhado Bi nas gravações da estréia do Paralamas, mostrou a Jorge Davidson, diretor da Emi, uma fita com gravação de Renato cantando e tocando no violão músicas como Faroeste Caboclo. A banda foi então chamada ao Rio para conversar e acabou acertando o contrato com a Emi Odeon para gravação do primeiro disco. No último show da banda antes da mudança definitiva para o Rio, houve choro no público e no palco do Teatro da Escola-Parque. Fãs e músicos sabiam que a relação da Legião com sua cidade jamais seria a mesma. O pássaro novo estava deixando o ninho.
      
      Na terceira e última parte da reportagem especial sobre o rock-Brasília: A tumultuada gravação do primeiro disco da Legião Urbana. Mayrton Bahia: não basta ser produtor, tem que participar. Plebe Rude e Capital Inicial também deixam Brasília. Como a Legião se tornou a maior banda de rock do Brasil. O legado do poeta.
      O primeiro show da Legião (com foto de Paraná e Gutje em Patos de Minas) Setembro de 1982. O Brasil começa a sentir os efeitos da redemocratização, com o abrandamento da censura e da repressão policial. Mas, em uma cidade do interior e conservadora como Patos de Minas, esses sinais demoravam a ser captados. De jeans rasgados e cabelos arrepiados, uma turma de punks brasilienses desembarca para participar de um festival de rock no Parque de Exposições da cidade mineira. Não poderia acabar bem.
Anunciada até poucos dias antes do festival como Aborto Elétrico (os organizadores não sabiam que a banda tinha acabado), a Legião deu um jeito de levar na viagem alguns amigos, entre eles os integrantes da Plebe Rude. Eles chegaram cedo na cidade, mas como não havia muito o que fazer, passaram o dia enchendo a cara e dormindo na grama.
      Na hora da passagem de som, a primeira surpresa ``Eu precisava de alguém para passar o som do violão´´, lembra o técnico Marcos Amorim. ``Aí o Renato pegou o violão, chamou a galera e disse: `o meu show já começou´. Nunca tinha visto isso: começar um show durante a passagem. E nunca vi de novo´´, comenta Marcos, 39 anos, atualmente trabalhando na equipe de palco do Jota Quest.
      Renato, Paraná (guitarra), Paulista (teclados) e Bonfá (bateria) fizeram então o primeiro show da carreira da Legião Urbana. Na platéia, dezenas de policiais fardados e atentos as letras de protesto da banda. Mas a barra só pesou de verdade quando a Plebe Rude subiu ao palco e tocou a música "Vote Em Branco", que tinha os seguintes versos: ``Imagine uma eleição onde ninguém fosse eleito/ Já estou vendo a cara do futuro prefeito/Vamos lá, cara, seja franco/ Use o poder do seu voto/Vote em branco/Seja alguém, não vote em ninguém..´´.
       Não deu outra. Terminado o show da Plebe, a polícia levou todo mundo preso para ``esclarecimentos´´ sobre o conteúdo das letras. Na delegacia, Renato tomou a palavra e fez discurso pregando a liberdade de expressão dos artistas. Foi tão convincente que o delegado liberou a turma toda, com apenas uma condição: que pegassem o primeiro ônibus de volta a Brasília e nunca mais aparecessem por lá. Condição imediatamente aceita. Na volta, mais uma surpresa. Como ninguém conseguia dormir por conta da agitação, Renato começou a contar uma longa história de terror. ``Demorou uma meia hora mas ninguém conseguia deixar de ouvir. Era uma história apavorante, cheia de detalhes, como se fosse um filme, mas que ele tinha acabado de inventar´´, descreve André Mueller, baixista da Plebe Rude.
      Meses mais tarde depois da estréia em Patos de Minas, durante intervalo forçado pela quebra de uma guitarra em show na temporada da ABO, Renato deu versão um pouco diferente para o episódio da prisão. `` (...) Acontece que nossas letras nunca foram muito assim, digamos, construtivas para o pessoal do lado direito. (...) Só que, de repente, a Plebe Rude desce do palco escoltada por uns 20 policiais de cada lado, que perguntam: `quem escreveu aqueles versos?´. Mas a música não era da Plebe Rude, a música era da gente, essa música se chama Música Urbana´´, narrou Renato, referindo-se a balada blues incluída no álbum Dois, da Legião, rebatizada de Música Urbana 2 para não ser confundida com o primeiro hit do Capital Inicial.
 ``Eu acho que a gente nunca vai chegar ao ponto de ser a banda mais popular do Brasil, principalmente pelo que a gente fala .´´ Renato Russo, 17/11/1985
      Renato Russo gostava de fazer mapa astral dos amigos e consultava regularmente o I-Ching, mas quem tinha o Dom de adivinhar o futuro na Legião Urbana era o baterista da banda, Marcelo Bonfá. ``A gente vai se mudar para o Rio e eu vou ser muito famoso´´, anunciou à uma amiga, Ana Rezende, durante festa em 1982, três anos antes do lançamento do primeiro disco. Depois que o Paralamas fez sucesso com Óculos e se tornou o primeiro artista nacional a gravar uma composição de Renato Russo (Química, no disco O Passo Do Lui), havia uma crescente curiosidade sobre o rock politizado e contestatório que estava sendo produzido na capital federal, bem diferente das batatinhas fritas consumidas pelos fãs da Blitz, febre do verão de 1983. A mudança das bandas brasilienses para as metrópoles culturais era apenas uma questão de tempo.
     ``O rock de Brasília chegou a São Paulo em 1984 como um movimento ´´
, lembra o guitarrista Edgar Scandurra. ``Primeiro, foram os Paralamas, que para nós, era uma banda formada por pessoas de Brasília que moravam no Rio. Depois, veio a cara definitiva com Legião, Plebe e Capital´´, acrescenta Scandurra. ``E engraçado que, nos shows em lugares pequenos como o Napalm e o Rose Bom Bom, eles começavam todos do mesmo jeito: boa noite, nós somos a Legião Urbana de Brasília, ou a Plebe Rude de Brasília, ou o Capital Inicial de Brasília. Só mudava o nome da banda´´ , repara o guitarrista do Ira!, na época também baterista das Mercenárias. ``Rolou uma identificação legal, porque nós tínhamos referencias parecidas. Eles também receberam influencias do punk e do pós-punk inglês em primeiro lugar: Cure, Jam, Gang of Four... Ao contrário do pessoal do Rio, que seguia mais numa praia de hard rock´´, compara.
      COMO SE FOSSE NOVA YORK A atração dos paulistas pelos brasilienses foi plenamente correspondida. ``Eu achava Brasília chata, tediosa, modorrenta. Fiquei embasbacado com São Paulo´´, reconhece o vocalista Dinho Ouro Preto, o primeiro do Capital a se mudar da capital e fazer amizade com figuras da cena paulista, como Guilherme Isnard, do Zero. ``Era um choque: como se a gente tivesse chegado em Nova York´´, reforça o baterista da Legião, Marcelo Bonfá, lembrando também a dureza dos primeiros shows. ``A gente era meio maluco. Pegava prato emprestado com Edgar Scandurra, passava na casa do Ricardo do Fellini para pegar uma caixa... andava São Paulo inteira de ônibus para montar a bateria´´.
      As viagens começaram a ficar mais longas porque passaram a incluir uma segunda etapa: a lona do Circo Voador, no Rio de Janeiro. Por ``culpa´´ da Fluminense FM, músicas como A Dança do Semáforo (Plebe), Descendo o Rio Nilo (Capital) e Geração Coca-Cola (Legião) tinham se tornado hits e os cariocas queriam ver ao vivo aquela nova onda de roqueiros surgida no Planalto Central. Com o apadrinhamento dos Paralamas, a Legião foi convidada a gravar um compacto no Rio pela Emi Odeon. Mas no início não deu certo.
      ``Aconteceu um ruído de comunicação entre a banda e a companhia: eles não souberam dizer exatamente o que eles queriam da gente e a gente também não se colocou de forma clara. Depois de gravar três ou quatro músicas com produção do Marcelo Sussekind (produtor de hits como Amante Profissional, do Herva Doce) nós acabamos voltando para Brasília´´, narra Dado Villa-Lobos. O guitarrista lembra que a gravadora esperava da Legião algo meio country-pop, na linha de Bob Seger (cantor americano que vendeu milhões de discos nas décadas de 70 e 80): ``Aí a gente falou:, não, assim a gente não fica.´´
      MAYRTON, ALGUÉM COM QUEM CONVERSAR Nesse meio tempo, entre a decisão de ir embora e pegar o ônibus de volta para Brasília, a Legião encontrou dentro da Odeon alguém com quem conversar, alguém que depois se tornaria praticamente um quinto integrante do grupo. O niteroiense Mayrton Bahia, produtor contratado da gravadora para cuidar de lançamentos na área pop-rock-mpb, tinha no currículo trabalho artistas tão diversos como Elis Regina, 14 Bis, Djavan e Wagner Tiso. Gerente de elenco da gravadora, Mayrton teve uma longa conversa com os legionários na linha como-sobreviver-e-manter-a-integridade-dentro-de-uma-gravadora. Foi uma noite inteira de bate-papo e deu certo. ``Nunca vi a Legião como um grupo musicalmente limitado, pelo contrário, eles tinham uma linguagem própria que muitas vezes não era compreendida. O desafio era entender a estética da banda, que estava muito mais para Van Gogh do que para Leonardo da Vinci´´, compara. ``A banda era um casamento e o Mayrton passou a fazer parte dessa família´´, resume Marcelo Bonfá.
      Mayrton assumiu a direção de produção do primeiro álbum. O jornalista José Emilio Rondeau, indicado por Renato, ficou com a produção-executiva. Assim, em abril de 1984, com Brasília em estado de emergência por conta da votação das emendas das Diretas-Já, cheia de tanques e militares nas ruas, a Legião deixa a cidade. ``Foi uma imagem impressionante: Brasília sitiada e nós, indo embora´´, recorda Dado. Praticamente na mesma época o Capital também deixa a capital e assina contrato com a CBS (atual Sony Music) para lançamento de um compacto com duas músicas: Descendo o Rio Nilo e Leve Desespero. Ambas são bem recebidas pela crítica, chegam a tocar nas rádios, garantem os primeiros shows em cidades como Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre, mas não estouram nacionalmente como as outras bandas ``de rock´´ da gravadora, RPM e Metrô.
      Enquanto isso, no Rio, a Legião passou um tempo hospedada na casa de Bi Ribeiro, dos Paralamas, até se mudar para um hotel em Copacabana. Apesar de o repertório da estréia em vinil estar praticamente definido antes do início das gravações (a única música feita em estúdio foi Por Enquanto, nascida de uma experimentação de Renato utilizando uma bateria eletrônica), as sessões não foram exatamente sinônimo de tranqüilidade. Bonfá e o produtor, por exemplo, viviam as turras. ``Durante Ainda é Cedo, eu tive um contratempo que o Zé Emílio virou para o Renato e disse: `Juninho, não dá`´. E aí o Renato teve que sair do estúdio pra convencer o José Emilio a voltar. Depois, olhou pra mim como quem dizia: se esse cara for embora, a gente está fudido´´, revela o baterista.
      No final, mais um problema. A primeira prensagem do disco foi um desastre.``O som ficou sem peso, deformado. Fiquei desesperado, porque eu tinha assumido compromisso com a banda de garantir que a linguagem deles seria respeitada pela gravadora. Mandei refazer o corte do acetato e garanti que ninguém iria meter a mão para mudar nada´´, lembra Mayrton Bahia, que ganhou nesse episódio a confiança definitiva dos membros da Legião. O álbum, batizado apenas com o nome da banda, sai em janeiro de 1985 e vende 80 mil cópias, número que surpreendeu até a gravadora.
      A TRIPLA REJEIÇÃO Em São Paulo, o Capital Inicial enfrentava sérios dissabores no início da relação com a indústria fonográfica. As músicas que apresentavam para o primeiro disco - entre elas Fátima, Veraneio Vascaína e Psicopata - eram rejeitadas pela gravadora, que pedia algo mais comercial. Depois de ter o repertório recusado três vezes, a banda opta por rescindir o contrato e assina com a PolyGram para o lançamento do primeiro disco, o que ocorre em 1986. O LP surpreende os antigos fãs pela inclusão de teclados e naipes de metais nos arranjos, iniciando a guinada do Capital em direção ao pop. O sucesso vem rápido (200 mil cópias vendidas em apenas três meses) graças a uma composição dos tempos do Aborto Elétrico. Música Urbana, uma das canções recusadas pela CBS, é o primeiro grande hit nacional do rock brasiliense. Dinho, o vocalista, ganha status de sex-symbol e o grupo ganha um quinto integrante, o tecladista Bozo Barreti, que tocava com Arrigo Barnabé e era formado em regência pela USP.
No Rio, a Legião já não era mais a representante solitária dos brasilienses. Em 1986, a Plebe Rude consegue contrato com a Odeon para gravar O Concreto Já Rachou, mini-LP com sete músicas matadoras produzidas por Herbert Vianna. ``O Herbert introduziu o estúdio para a gente, mas praticamente não mudou nada dos arranjos originais´´, conta Philippe Seabra. ``Foi ele que deu algumas idéias brilhantes, como utilizar um violoncelo na introdução de Até Quando Esperar ´´, lembra o vocalista e guitarrista.
      O CHORO DOS MARMANJOS A Legião, por sua vez, começa a trilhar caminho próprio e se distanciar de seus companheiros de Brasília e do rock-Brasil. Lota por duas noites o Morro da Urca no lançamento do primeiro disco e faz o circuito de danceterias da moda, ``todas com M no início do nome´´, como lembra Dado Villa-Lobos: Mamão Com Açúcar, Metrópole, Mamute, Manhattan... Vocalista do Biquini Cavadão, Bruno Gouveia lembra o momento exato quando percebeu que a Legião seria uma mega-banda: `` Foi no Circo Voador, no fim de 1985. Tinha gente até o teto. Eu estava assistindo no palco e não acreditava no que via. Eram marmanjos na primeira fila chorando copiosamente em Soldados, cantando Petróleo do Futuro em altos brados, enquanto Renato pedia atenção para tocar a inédita Tempo Perdido´´, descreve Bruno, que chegou a gravar uma música do Biquini dividindo os vocais com Renato: Múmias, do LP Cidades em Torrente.
      Definida com propriedade pelo antropólogo Hermano Vianna no texto da caixa Por Enquanto: 1984/1995 como ``um dos momentos mais lindamente melancólicos da história da música pop´´, Tempo Perdido acabou sendo escolhida como primeiro single do segundo disco da Legião. Lançado em julho de 1986, Dois - que ia ser um álbum duplo com o pomposo nome de Mitologia & Intuição - representou uma guinada em direção ao intimismo e acertou em cheio o coração de milhares de jovens brasileiros. No repertório, canções que Renato resgatou dos tempos de Trovador Solitário - como Música Urbana 2 e Eduardo e Mônica - e outras nascidas em estúdio, a exemplo de Índios e Acrilic on Canvas. `` As músicas são lindas, mas foi uma fase difícil de criação, era muito experimental´´, avalia Marcelo Bonfá.
Mayrton Bahia, uma das poucas pessoas que acompanhavam de perto todas as etapas do método de trabalho da Legião, descreve o processo criativo do grupo como ``muito particular ´´ . `` Primeiro eles faziam uma levada musical, uma base instrumental em cima do que eles queriam fazer, uma música mais rápida, outra mais lenta... Depois o Renato ouvia aquele instrumental e imaginava que tipo de texto ele gostaria de falar com aquele som. Aí ele fazia as letras livremente, sem melodia, sem métrica definida. Depois ia para o estúdio tentando cantar aquela letra em cima daquela base, aí surgiam melodias originais da Legião. Índios é um exemplo típico desse método ´´, revela o produtor.
      ABRINDO O BAÚ Com agenda lotada de shows e a mudança em definitivo para o Rio, tanto Plebe Rude como Legião não encontravam tempo para ensaiar, muito menos para compor. Resolveram, então, abrir o baú brasiliense e de lá desenterraram a maior parte do repertório dos discos Nunca Fomos Tão Brasileiros e Que Pais É Este 1978/1987. A trajetória das duas bandas, que até então se confundia, se separou de vez. Apesar do relativo sucesso da faixa-título e da balada A Ida, Nunca Fomos... (também produzido por Herbert Vianna) não repetiu o impacto de O Concreto Já Rachou. Nem a mídia gratuita obtida com a censura da música Censura (Unidade Repressora Oficial) ajudou a Plebe a conseguir o segundo disco de ouro.
      Já "Que País é Este" foi o passo definitivo da Legião rumo ao mega estrelato. Os fãs da banda não cabiam mais em casas noturnas, muito menos em danceterias (formato já em declínio por volta de 1987). Apenas os ginásios de esportes comportavam o público de meninos e meninas que berravam os quilométricos versos de Faroeste Caboclo (``sempre sonhei em fazer uma música longa e com historinha, como Hurricane, de Bob Dylan´´, dizia Renato). Em algumas cidades como Brasília, mesmo o ginásio local - com capacidade para 20 mil espectadores - tinha se tornado pequeno e a única alternativa era o estádio Mané Garrincha, onde cabiam 40 mil pessoas e que acabou se tornando o palco em 1988 do mais acidentado show da carreira do grupo.
      Depois dos problemas em Brasília e em outras cidades durante a turnê de lançamento de "Que País É Este", a Legião decidiu deixar o passado punk definitivamente para trás. ``A idéia era dar um basta na coisa visceral, dar uma escapada daquele universo que despertava energia negativa´´ , conta o guitarrista Dado Villa-Lobos. Começava a prolongada e difícil gestação de As Quatro Estações, que demorou um ano para nascer por conta de vários contratempos, da saída do baixista Renato Rocha (`` ele pediu para sair a partir do momento em que foi morar numa fazenda e não aparecia mais nas gravações´´, lembra Dado) até a falta de inspiração (daí o desabafo - Existem Canções! - no final do texto do encarte) de Renato Russo na hora de escrever as letras, que até passou uma temporada de dois meses em Curitiba em busca de idéias, sem muito êxito.
      RELIGIÃO URBANA Três músicas de As Quatro Estações foram particularmente difíceis de serem finalizadas: Monte Castelo, Pais e Filhos e Eu Era Um Lobisomem Juvenil. ``Essas só ganharam a versão definitiva na hora da mixagem´´, revela Mayrton Bahia. Tanto trabalho valeu a pena: apesar de recebido com certa frieza pela crítica, que acusou a banda de descambar para o populismo messiânico, As Quatro Estações se tornou o mais bem-sucedido álbum da história do grupo: dois milhões de cópias vendidas até o final de 1999. Encerrando o disco com um trecho da liturgia católica (``cordeiro de deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós e dai-nos a paz...´´, últimos versos de Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar), a banda alcança o status de Religião Urbana. Enquanto a Legião chegava ao topo do rock-Brasil, os amigos brasilienses desciam ladeira abaixo. O terceiro e último disco da Plebe Rude pela Odeon foi uma despedida melancólica. Sem a produção de Herbert Vianna (``ele fez muita falta, estávamos em crise criativa, sem direção´´, reconhece Philippe Seabra), o grupo sequer conseguiu definir um nome para o LP, que acabou saindo com o nada original título de... Plebe Rude.
      POP DE PLÁSTICO Em São Paulo, o Capital ia de mal a pior: as experiências mal-sucedidas de Dinho e Bozo Barreti com o tecnopop no disco Você Não Precisa Entender soterraram de vez a pouca credibilidade que o grupo ainda tinha. ``Estávamos fazendo um pop de plástico´´, define o baterista, Fê Lemos. A Segunda geração do rock-Brasília dos anos 80, formada por Finis Africae, Arte No Escuro e Detrito Federal, até que tenta surfar na mesma onda dos pioneiros candangos, mas acaba morrendo nas praias cariocas: nenhum deles passou do primeiro disco. Rapidamente, todos são despachados de volta para o Planalto Central.
      Na virada para os anos 90, o cenário é pouco animador para o rock brasiliense. A Plebe Rude se dissolve com a saída de Jander Ameba Bilaphra e do baterista Gutje Woortman. André e Philippe tentam continuar como dupla e lançam o álbum Mais Raiva do Que Medo (1993), com pouca repercussão. Decidem parar em 1994. André passa em concurso público para o Banco Central e volta a morar em Brasília. Philippe aproveita a cidadania americana e se muda para Nova York, onde monta o projeto Daybreak Gentlemen, cantando e compondo em inglês.
      O Capital também passa por maus momentos: o disco Todos os Lados (1989) tem apenas um hit que, por ironia, é uma composição de Renato Russo, Belos e Malditos, feita em parceria com o carioca Alvin L. (Sex Beatles). Com Eletricidade (1991), primeiro e último disco pela BMG, a banda diminui a participação do teclado nos arranjos e privilegia os violões, mas não adianta muita coisa. O disco vende apenas 30 mil cópias e as brigas internas tornam-se mais freqüentes, culminando com a saída do tecladista Bozo Barreti em 1992. Sem comunicar aos demais integrantes da banda, Dinho anuncia nos jornais que vai gravar um disco solo e, com ironia, sugere a Fê que o grupo vire um Deep Purple, conhecido pelas mudanças constantes de vocalista. ``Eu não conseguia ver personalidade própria para o Capital ´´, reconhece Dinho. ``Nós estávamos sempre atrás da Legião, éramos `a outra banda de Brasília´´´ , constata o vocalista.
      LONGO, TRISTE E BELO Alheia ao naufrágio dos colegas candangos, a Legião reduzia a velocidade (os shows passam a ser ainda mais esporádicos) e as aparições públicas. Mas o trio continuava navegando com segurança em mar revolto pelo desemprego e recessão trazidos pelo Plano Collor. Inspirado pela música medieval, lança em dezembro de 1991 o seu disco mais consistente: V, recheado de músicas longas, tristes e belas, como Teatro dos Vampiros, A Montanha Mágica e Vento no Litoral. ``Ia ser uma mistura de Joy Division com o Cure da fase Pornography: o disco inteiro contando uma história de amor sobre um casal que briga, se separa e depois volta´´, contou na época Renato Russo, que tinha voltado a beber e enfrentava seguidas crises de depressão causada pela desilusão trazida pelo namorado americano, Robert Scott, que passou dois anos com o cantor. ``A partir do V, o Renato se descobriu soropositivo e as coisas passaram a ser feitas com mais cautela´´, revela Dado Villa-Lobos.
      A gravação do Acústico MTV em 1992 foi opção para fugir da obrigação de gravar videoclipes para o novo disco, rotina considerada estressante pela banda e só retomada em 1994 para Perfeição, o primeiro single do disco O Descobrimento do Brasil. Com letras simples e diretas, O Descobrimento... rendeu a última turnê da Legião, iniciada em Valinhos e encerrada também no estado paulista, com show em Santos.
Era a despedida dos palcos e o fim também de uma relação conflituosa. `` Os shows da Legião sempre foram uma explosão. Às vezes de alegria, outras de tristeza e melancolia´´, relembra o guitarrista. Dado Villa-Lobos montou com André Mueller o selo Rock It! para gravar novos artistas e por ele lançou várias bandas novas, entre elas grupos cariocas (Second Come, Sex Beatles, Gangrena Gasosa) e brasilienses (Low Dream, Dungeon). Com a experiência acumulada na Rock It!, topou o desafio proposto por Renato: produzir o penúltimo disco da Legião: A Tempestade ou O Livro dos Dias. ``A verdade é que não tinha muita gente para fazer esse trabalho: a gente não poderia lidar com um Liminha, porque nossa forma de trabalhar em estúdio era muito particular, muito íntima ´´, explica o guitarrista, que não gostou de acumular as funções: ``Quase morri de tanto trabalhar´´. Comprometido pelo estágio avançado da doença de Renato, A Tempestade... (1996) é item menor na discografia da Legião, apesar de conter alguns esparsos momentos de brilho como as faixas L´Aventura, Esperando Por Mim e a faixa-título.
      CARRASCO E SALVADOR Em 11 de outubro de 1996, morre aos 36 anos não o Renato Russo, mas seu criador: o Júnior, filho do Seu Renato e Dona Carminha, menino carioca que foi morar em Brasília aos 13 anos e lá, imerso na solidão do concreto cercado de cerrado por todos os lados, inventou um personagem a sua imagem e semelhança para atrair amigos e, com eles, mudar a história do rock brasileiro. ``Renato foi, ao mesmo tempo, nosso carrasco e salvador. Sua sombra era muito opressora: só a morte dele libertou a gente´´, acredita Dinho Ouro Preto. Ao som de Fantasia Opus 17, sonata para piano de Schumman, as cinzas do corpo de Renato Manfredini Júnior foram espalhadas em canteiros de bromélias da casa principal do Sítio Roberto Burle Marx, na Barra de Guaratiba, zona oeste do Rio. ``Agora o Renato Russo é só do público, o Manfredini é nosso´´, sentenciou Dona Carminha, mãe do cantor.
      O apelo da mãe de Renato não surtiu efeito. O culto ao cantor, iniciado logo após sua morte, cresce a cada dia, mesmo com a resistência dos amigos e da família. ``Os fãs pedem palhetas, óculos, roupas,fotografias.. qualquer objeto que tenha pertencido ao Júnior. Alguns não tem o mínimo desconfiômetro e pedem até um pedacinho do lençol que ele usava´´, conta dona Carminha, que decidiu apoiar a criação de um memorial para diminuir o assédio pessoal que a obrigou inclusive a trocar de apartamento em Brasília.
O culto também cresceu com o lançamento de Uma Outra Estação, o derradeiro disco de estúdio da Legião. Incluindo canções excluídas de A Tempestade..., o disco tem várias homenagens explícitas na terra onde tudo começou: da capa, um desenho de uma superquadra, até a última faixa, Nossa Senhora do Cerrado, regravação de música de um grupo brasiliense chamado Liga Tripa. ``Não foi coincidência. É para mostrar que nossa história começa e termina em Brasília´´, explica Dado Villa-Lobos.
      ``Essa é uma história feita de fracassos e glórias. Todos saíram com alguma cicatriz, mas todos saíram definitivamente mudados´´, acrescenta Dinho Ouro Preto, que voltou a cantar no Capital Inicial e prepara um livro sobre a turma da Colina. Seu companheiro de banda, Fê Lemos, anda interessado na música feita no computador, ``o mais democrático dos instrumentos musicais ´´. Sem largar o Capital, o baterista pretende deixar São Paulo no próximo ano para seguir os passos do guitarrista Loro Jones e do amigo André Mueller: voltar a viver na cidade onde formou a primeira banda punk da capital federal. `` É hora de um novo começo e aproveitar que Brasília é pródiga em gente original para, quem sabe, montar o Aborto Eletrônico´´, afirma o único sobrevivente da formação original do Aborto Elétrico. Carregado de lembranças e histórias, o rock-Brasília está indo de volta para casa. 





Aqui vão algumas fotos do aborto elétrico e da  famosa turma da colina!










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